Viagem à Santana do Cariri - CE
Diário de bordo por Beatriz Louise
Meu texto fala do Sertão. Não. Não só do Sertão. Meu texto fala do Sertão e da primeira vez que meus pés tocaram aquele ônibus e do primeiro dia que me sentei sozinha, eremita, e do último dia pulando de banco em banco, já nômade e errante, mas certa de que algo mudara.
Meu texto fala do que eu não consigo falar. Meu texto fala da tela infinita que por três dias inundara meus olhos até o destino final. Ou inicial.
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Ele fala da paisagem que eu nunca vou poder falar. Fala dos afloramentos do Araripe e do meu ser. Fala dos andares do Cretáceo. Meu texto fala da Socorrinha manuseando lindamente o barro e seus pés dançando em circulos na areia vermelha em torno do seu objeto de argila. Meu texto fala da pedreira e do branco que cega e dos operários Antônio Marcos, Cícero e Espedito que debaixo do sol escaldante cortavam rochas de calcário, transformando-as em pedras que mais tarde estariam na construção de casas por todo o Ceará. Fala do ritmo do martelo batendo na talhadeira na esperança de encontrar o mais raro fóssil que estivesse sedimentado nas fraturas do calcário. Meu texto fala das rochas e das árvores petrificadas que se perpetuaram no tempo-espaço.
Fala do tempo estagnado, da paisagem horizontal que parece não ter fim. Meu texto fala da Imbaúba, árvore utilizada para fazer tambor pelos índios do Nordeste. Ele fala também do cansaço, da sensação constante de boca seca e do calor. Fala do pôr do sol quase irreal ao som de Luiz Gonzaga saindo do clarinete do Diogo enquanto aquele céu infinito me engolia. Meu texto fala de como eu chorei nesse momento e ninguém viu. Fala de como 30 minutos pareceram horas pra mim. Meu texto fala de uma pedra no caminho e de como eu tomei ela pra mim, fazendo dela o meu caminho. Fala de memória, de morte, esquecimento e da nossa presença tão forte e tão sutil. Meu texto me lembra das histórias do Ismar, de como ele falou sobre ser lembrado em morte e esquecido em vida. Ele fala dos amores que eu conheci, das amizades que se tornaram minha família. Meu texto me aponta o erro de chamá-lo de Meu. Meu texto vai muito além da minha história, no Cariri ele nasceu e lá ele ficou, para continuar se escrevendo pelas mãos do mundo.